Chico Buarque de Hollanda, compositor, dramaturgo e escritor, celebra 80 anos, nesta quarta-feira (19). Sua trajetória abrange 58 anos de carreira, durante os quais produziu 537 canções e realizou 1.302 gravações. Além disso, lançou 50 discos, tanto solo quanto em colaboração, gravados em estúdios e ao vivo. Seu legado também inclui quatro peças teatrais, uma novela, um livro de contos e seis romances, sendo o próximo, intitulado “Bambino a Roma”, previsto para ser lançado em agosto. Inúmeras narrativas sobre o Brasil podem ser iniciadas a partir de suas obras, testemunhando a influência duradoura deste gênio na cultura nacional.
Músico, letrista, escritor, jogador de futebol e até criador de jogos de tabuleiro. Chico Buarque viveu muitas vidas ao longo de seus 80 anos. O artista carioca celebra os frutos de uma carreira sólida que começou em 1964, marcada por uma extrema coerência e sofisticação.
A canção que lançou sua trajetória, “Tem um Samba”, apresentada em 1964, já indicava os temas e o público que o futuro grande escritor escolheria: “Tem mais samba nas mãos do que nos olhos/ Tem mais samba no chão do que na lua/ Tem mais samba no homem que trabalha/ Tem mais samba no som que vem da rua.”
Desde o início, sua produção foi extraordinária, com mistérios e uma relação íntima com o momento histórico e sociocultural, entrelaçando-se de maneira singular à história do Brasil.
A obra de Chico Buarque é lírica, profunda, provocativa e essencialmente cultural, capaz de despertar uma ampla gama de sensações e emoções em quem ouve, lê e observa sua criação extraordinária e sem igual no cenário artístico brasileiro.
A vasta obra de Chico foi objeto de milhares de estudos e pesquisas, dezenas de livros e alvo de debates fervorosos. Entre os estudiosos, está Fabiane Batista Pinto, professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Piauí. Ela escreveu sua dissertação de Mestrado sobre a obra de Chico Buarque, analisando o conjunto da obra musical deste artista, demonstrando como Chico participa da elaboração de uma memória coletiva a partir de uma determinada concepção de país.
Carioca, mas dividindo-se entre o Ceará e o Piaui, Fabiane desenvolve pesquisas acerca da função social da música e de como essa linguagem pode ser uma ferramenta poderosa nos processos de compreensão da dinâmica social. A professora aceitou o convite da Fundação Waldemar Alcântara para falar sobre o autor, na data que marca seu aniversário. Confira a seguir.
FWA – O que a motivou a estudar a obra de Chico Buarque?
Fabiane Batista Pinto – Fui socializada em um ambiente prenhe de musicalidade e desde jovem me encantava com a palavra cantada. A partir das leituras realizadas na graduação, sobretudo Platão, compreendi melhor o papel social da música na sociedade e de como ela pode subverter a ordem e desafiar o poder, além de ajudar na percepção dos mais variados aspectos sociais.
FWA – Quais os principais achados da sua pesquisa “O Brasil de Chico Buarque”?
Fabiane Batista Pinto – O principal achado é perceber este artista como um construtor do Brasil; ele não apenas retrata o país, ao cantar as mazelas sociais, as mudanças culturais, as injunções políticas, o machismo estrutural, as perversidades e desigualdades; Chico não está somente denunciando, mas imaginando um país diferente, o qual ele deseja. Obriga o seu ouvinte a refletir sobre essas questões, logo, deve ser percebido como um construtor do país, tal como os intelectuais do pensamento social brasileiro que produziram ideias sobre o Brasil. Chico faz isso no âmbito musical, o que gera um apelo maior, afinal, a música tem esse poder de alcançar letrados e iletrados, muito embora a obra de Chico seja consumida, principalmente, por uma classe média, segmento importante na atuação política, cultural e social na sociedade.
Outro aspecto que percebi nessa pesquisa, ao estudar suas canções, foi a sensibilidade do artista, voltada para a esperança, mesmo nos tempos mais sombrios, vivenciado por ele próprio, durante a ditadura militar. Chico denunciava as atrocidades, mas falava do tempo futuro, da esperança, nos versos de “Bom tempo”; “Apesar de você”, “Vai Passar” . Ali, encontramos o tempo da alegria, do amor, da comunhão nacional. A mensagem é essa: não há mal que perdure. Essas são canções da ditadura. Porém, mais recente, com a polarização política do país, Chico compôs “Que tal um samba?”, canção única de lançamento da sua última turnê. Os versos retratam a esperança, um sambinha para “alegrar o dia e lavar a alma”. É pura imaginação e utopia do poeta! O sonho de Chico se tornou realidade, em um novo tempo para o país. Chico canta o passado, presente e futuro.
FWA – Qual a importância de Chico Buarque para o país?
Fabiane Batista Pinto – Bom, Chico Buarque tem uma produção profícua, sobretudo no campo musical; não é a toa que sua obra é pesquisada nas mais variadas áreas do saber: literatura, filosofia, história, filosofia, comunicação, ciências sociais. Um dado importante é que o artista sempre se manteve, ao longo das 5 décadas, coerente com seus ideais e posicionamentos políticos.
FWA – Da obra do Chico Buarque, o que é indispensável conhecer?
Fabiane Batista Pinto – Eu indico toda a obra musical de Chico. Para quem gosta de coletânea, teve uma organização realizada na efeméride dos seus 50 anos, canções reunidas por temáticas: o amante, o trocador, o politico, o malandro, o cronista. Recomendo para os iniciantes. Para quem quer pesquisar, tem muita coisa escrita, mas recomendo o livro de Adélia Bezerra de Menezes, que foi a primeira tese sobre a obra dele no Brasil. O título é “Desenho mágico : poesia e política de Chico Buarque“.
Indico, ainda, o livro “Leite derramado”, meu preferido. Por fim, tenho a dizer: Viva Chico! Que sorte a nossa!!!